29 de março de 2010

A um ausente

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.


Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,

enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?


Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.


Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

Carlos Drummond de Andrade

* recebi essa poesia de uma amiga!

28 de março de 2010

é isso aí índio véio!


Era dia 9 de dezembro de 1997, aniversário da Ale, ato do Fora FHC no metrô de São Leopoldo, achei que tinha conhecido o Fábio naquele dia, voltando de carona para sede da UENH. Depois lembrei que ele tinha passado na minha sala de aula em 95, dava pra reconhecer aquele alemão, vendeu a minha primeira carteira da UBES, entregou jornais da entidade e falou da luta pela vinda do metrô para Novo Hamburgo.
O Fábio dificilmente passou em branco na vida de alguém. Nem sei como me referir a uma pessoa que me apresentou de perto a obra do Chico, que me ensinou a gostar de Belchior com 15 anos de idade, que me fez amar MPB com aquele CD da Casa de Samba Volume I. Eu ouvia, ouvia, ouvia e fui me descobrir apaixonada por Noel Rosa. Conheci Gonzaguinha e Zé Ramalho. Do Zé, nunca vou esquecer quando ele ouvia alto dentro do carro “enquanto o vento sacode a cabeleira/ a trança toda vermelha”.
Bah! O Alemão sabia juntar a galera, fosse no antigo Peppers do Calçadão ou subindo o morro dos Picos com o carro cheio de gente para ver a cidade iluminada lá de cima. Fosse para fazer pichações do partido. Era uma luta e uma festa. Aprendi a fazer pichações em alto nível, primeiro a gente passava para escolher o muro e dava um fundo com cal amarela, depois voltávamos para fazer as letras em vermelho e preto. Fora Yankes! Fora FHC! Viva o Socialismo! PCdoB.
Nos sábados pela manhã nosso ponto de encontro era ao lado do coreto na Praça do Imigrante, era lá que rolava um chimarrão, a banca de livros, muitos jornais para distribuir. Foi lá que comemoramos juntos quando o Rômulo e o Cristiano passaram na UFRGS, era lá que a gente batia boca com as outras forças políticas. Quando o partido tinha carro e som ao mesmo tempo o Fábio dava voltas nas quadras do centro falando de política para reforçar a banca.
Um apaixonado pelo Partido Comunista do Brasil, sempre colocou o partido antes de tudo, nunca conheci alguém que amou tanto a cidade de Novo Hamburgo. Ele ficou brabo comigo quando me mudei pro Rio de Janeiro, acho que ficou feliz quando eu voltei.
A gente chama de companheiro aquele que está sempre ao nosso lado, e ele esteve muitas vezes, na UENH, na UJS, quando ganhamos o DCE, quando fizemos as colagens pelo aumento ZERO das mensalidades, quando ganhamos o CONSU, e esteve lá nos tempos difíceis, nas derrotas. Dividimos as dificuldades e as horas boas em incontáveis mesas de bar.
O Fábio era uma voz de comando, ele nos convencia com facilidade, em 2007 insistiu que devíamos bloquear a BR116, sentido interior capital, para reivindicar a vinda do metrô. O detalhe: éramos um grupo com de pouco mais de 25 pessoas, uma brasília com um som em cima, uma faixa da UAC e uma bandeira da UNE. Acabamos topando, geramos um engarrafamento de 6km e problemas com a Polícia Federal, mas o bom é que o metrô já ta chegando.
Ouvi do Alemão quase todo o repertório de piadas, tantos trocadilhos de beira de estrada que se renovavam cada vez que ele voltava de viagem. Aprendi tanto sobre política, sobre partido, sobre socialismo. Tive que frequentar as Bancas da Pedro Adams nas madrugadas depois das colagens, eu olhava com cara feia, mas os guris adoravam, o Fábio gostava em especial do bolo de carne (risos). Eu aprendi muito sobre o ser humano.
E agora? Agora o Fábio, aquele que tinha uma urgência de viver, não está mais aqui e as lembranças ficam passando na minha cabeça como um filme. Ainda ouço a sua voz nitidamente. Uma pena, uma tristeza não poder mais conviver com essa figura, que faz falta para a família, para a segunda família dele, que eram os amigos do partido, que faz falta para o nosso país. Vida longa a tudo que ele ensinou, a tudo que ele acreditava.
E isso aí índio véio! Obrigada por tudo.